sábado, 1 de dezembro de 2012

Bullying: Brincadeira de criança?


Cena do curta metragem  A peste da Janice (Porto Alegre, 2007)

Eu devo me lembrar para sempre, nunca irei esquecer.
Segunda-feira: meu dinheiro é tomado
Terça: me ofendem verbalmente
Quarta: meu uniforme é rasgado
Quinta: meu corpo encharcado de sangue
Sexta: está terminado
Sábado: liberdade!
(Última página do diário do menino Vijay, 13 anos, que se enforcou em sua casa. Manchester, UK, 1997).

      Esse é um dos relatos de crianças vítimas do bullying que, não encontrando alternativas para se livrarem dos seus medos e pesadelos ocasionados por seus agressores, no auge de sua angústia, retiram sua própria vida. O menino Vijay era bom aluno, tirava boas notas e a primeira vista isso não teria nenhum problema. Ele estudava em Manchester, Inglaterra, e a maioria dos seus colegas eram brancos e cristãos. Mas ele usava o cabelo comprido e o escondia com um turbante, dado que era da fé Sikh (Rolim, 2008). Em virtude das diferenças culturais, o jovem era perseguido, humilhado e agredido fisicamente pelos colegas que se divertiam com a situação, e o jeito encontrado por ele, diante do sofrimento que estava lhe causando, foi retirar sua própria vida. Mas isso não está distante da nossa realidade. A sociedade brasileira (Silva, 2012) foi tomada por um choque nacional em abril de 2011, quando o jovem Wellington Menezes de Oliveira de 23 anos tirou a vida de 12 estudantes da Escola Municipal Tasso da Silveira, onde o mesmo era ex-aluno da referida escola localizada no bairro de Realengo, Rio de Janeiro. De acordo com informações posteriores, o jovem Wellington em sua época de aluno da escola, era vítima de bullying. 
            Estudos relacionados ao bullying datam de 1970, e um dos pioneiros desses estudos foi o psicólogo sueco radicado na Noruega Dan Olweus que iniciou seus estudos acerca do fenômeno da violência escolar recorrente. O termo bullying no seu prefixo “bully” significa valentão, e por falta de uma palavra que não reduza o seu significado, há um consenso entre os pesquisadores em adotar a terminologia original (Rolim, 2008).
            O fenômeno bullying tem como característica principal a recorrência e que ocorrem entre pares (entre os estudantes), de modo que atos de agressividade, humilhações, fofocas, chutes, socos entre outros elementos, quando, praticados recorrentemente, podemos afirmar que se trata do fenômeno.
            Em meio a esse cenário encontramos a presença de três personagens, a saber, os agressores, as vítimas e os espectadores. Os primeiros são aqueles que sistematicamente pressionam suas vítimas, por elas terem alguma característica considerada anormal: ser gordo demais, magro demais, usar óculos, não usar a roupa da moda, ser estudioso, ter condição socioeconômica diferente etc. Os bullies ou agressores são pessoas populares, intolerantes, lideres de grupos, que “mantêm seu status social à custa da violência e da opressão de suas vitimas e se sentem mais poderosos cada vez que agridem e maltratam outros estudantes” (Teixeira, 2011, p.32). Quando a vitima demonstra fragilidade, e se sente intimidada, humilhada, de maneira geral, ela tem grande chance de ser alvo das práticas cruéis dos agressores. Nesse sentido, a segunda personagem, as vítimas, são aqueles estudantes que são eleitos por seus agressores, quando estes últimos encontram nos seus alvos o medo e a não reação de suas atitudes, daí percebemos nessa relação um desequilíbrio de poder, de modo que sendo a vitima refém do seu medo, ao transparecer isso, o seu agressor se sente mais poderoso e forte o suficiente para perseguir seu alvo. Acontece que os agressores precisam de plateia para agir, e eis que surge a terceira personagem: os espectadores. Estes quando não participam das agressões, como por exemplo, quando não incentivam as práticas, muitas vezes adotam uma posição de passividade e omissão, quando preferem ficar em silêncio, pois temem que se caso decidam denunciar, estes possam sofrer retaliações futuras, ou seja, temem se tornar as próximas vitimas. Essa postura dos espectadores, infelizmente, fortalece que casos de bullying sejam mais frequentes e camuflados, sem que não sejam descobertos por parte dos adultos, pais, direção e professores.
            O curta metragem com base em fatos reais chamado A Peste da Janice ( Link: http://www.youtube.com/watch?v=povo9wCtITomostra o modo como o bullying é praticado pelas meninas em uma escola de Porto Alegre. Janice sofre constantemente os ataques de suas agressoras que a considera suja, por isso o nome “a peste da Janice”, em virtude que sua mãe é faxineira na escola onde estuda, e que por isso é excluída por parte das outras meninas, exceto uma, Virginia, mas que se sente acuada de manter um contato mais próximo com Janice na frente das outras colegas de classe. A agressão recorrente no caso de Janice é a agressão do tipo verbal (uso do apelido), mas ela também é humilhada e passa por vários constrangimentos. Uma de suas agressoras, quando Janice tenta conversar com ela e a toca, a mesma sente nojo e diz: Ai a Janice encostou no meu braço, eu vou pegar a Peste da Janice! Esta toca nas outras meninas dizendo que vai passar a peste... Janice se sente extremamente excluída, humilhada, sem chão. E isso pode ser constatado quando Gabriel Chalita (2008, p.97) afirma:
Dizem que apelidos não têm cola, porém os cruéis, com certeza, têm pregos. Pregos causam dor e mesmo depois de arrancados deixam marcas e cicatrizes profundas.

            Infelizmente, todos os dias, Janice sente na pele o que é ser constantemente perseguida, e é marcada pela dor de ser humilhada pelas colegas.
De acordo com a literatura especializada no fenômeno bullying, entre as meninas as práticas recorrentes de violência na escola não são marcadas pelo uso da violência física, mas em alguns casos sim. Geralmente as agressoras fazem uso de elementos indiretos, dissimulados, por exemplo: excluem suas vítimas, espalham fofocas, utilizam apelidos maldosos, como no caso de Janice, infligindo sofrimento psicológico, ao que Calhau (2010) argumenta que “as meninas, com frequência, atacam dentro de um circulo bem fechado de amizades, tornando a agressão mais difícil de identificar e reforçando o dano causado às vítimas”.
            Inúmeros os exemplos que poderia citar aqui. Infelizmente enfrentamos dentro do espaço escolar uma problemática como essa. As agressoras de Janice acham que isso não passa de brincadeira, algumas riem, mas a vitima não. Educadores, pesquisadores, pais e a própria sociedade deve estar atenta. Muitos dizem que bullying é modismo, acontece que existe desde sempre, mas que apenas recentemente tem sido alvo de investigação e atenção. É importante salientar que, uma discussão e até mesmo um embate ocasional entre estudantes, mas que é solucionado no momento, não é bullying. Mas quando as agressões passam a ser recorrentes, isso merece atenção. Muitos dirigentes de escolas afirmam que não existe bullying em suas dependências, pois consideram que as práticas violentas entre os estudantes não passam de “brincadeiras de criança”. Será mesmo? Infelizmente ainda carecemos de explicações consistentes sobre o tema, pois por vezes percebemos que até a própria mídia coloca em suas matérias, considerando que toda e qualquer situação de conflito e violência como sendo bullying, e como disse, ele é caracterizado pela recorrência. 
            O bullying é um problema que atinge todos: sofrem os agressores, pois são vítimas da sua intolerância, da não aceitação do outro por ser visto como “diferente” de acordo com sua visão de mundo; sofrem as vítimas, pois são alvos de ataques constantes; sofrem os espectadores por se omitirem, por motivar tais atos de violência, por serem responsáveis para que o fenômeno se propague cada vez mais. Nossa discussão não se esgota por aqui. Espero em outra oportunidade explanar outras questões referentes ao assunto, fica por ora apenas a reflexão: BULLYING NÃO É BRINCADEIRA!

Gláucia Santos de Maria