quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Índios metropolitanos: Movimento Punk dos anos 80

Banda Desgaste Mental (1984)
Fonte: Janice Caiafa

Janice Caiafa mostra através de sua pesquisa etnográfica, intitulada “Movimento punk na cidade- a invasão dos bandos sub”, realizada entre os anos de 1983-85, o modo pelo qual o movimento punk surge e ganha forma no Rio de Janeiro em meados da década de 80 (1983-1985). Vale salientar que a denominação do Movimento Punk surgiu internacionalmente, mas que invadiu diversos países, inclusive o Brasil.
            Caiafa pensa os punks do Rio de Janeiro como que uma tribo, e por isso procura percorrer na literatura antropológica na busca de pensar e apreender o universo desses índios metropolitanos.  Por isso ela afirma que pensar os punks é refletir sobre os seus deslocamentos. E um dos desafios que ela enfrenta é no que diz respeito ao aspecto físico, na medida em que acompanha seus trajetos em vários espaços da cidade: os subúrbios, os becos e também no sentido de uma compreensão do que ela denomina de mapas dos efeitos, uma espécie de cartografia dos exercícios concretos.
            Caiafa mergulha na Cinelândia e na Lapa, procurando conhecer os integrantes do movimento e do bando punk locais, e ao longo do texto ela expõe diversos questionamentos acerca da exuberância do grupo, em relação ao som, o uso do preto das vestimentas, a suástica e outros elementos que compõem esse universo.  Para isso, ela procura reconstruir, através das conversas que teve com alguns dos membros do grupo, uma trajetória do início do movimento punk no Rio de Janeiro.
            Segundo a autora a imagem que os punks transpareciam era de um grupo rude que vagava pela cidade, o que a fez pensá-los em termos de estudos sociológicos sobre gangues, guetos e delinquência juvenil. E, para entendê-los a pesquisadora passou a frequentar juntamente com os punks os principais pontos da cidade, conhecidos como points, as festas e shows que eles organizavam, ou seja, passou a conviver com o grupo, dialogando, observando seus comportamentos, seu modo de fazer cultura (contracultura) suas formas de ação.
            Janice aponta que o modo pelo qual os punks do Rio atuam é como uma espécie de estratégia. Tal compreensão da autora é que o movimento punk do Rio de Janeiro atua em oposição à cultura dominante, por isso que sua forma de se expressar contra esta é chamar a atenção através do estilo da roupa e do cabelo que choca o restante da população que, em certo sentido, é padronizada e disciplinada. Além disso, os shows por eles organizados, os fanzines são, também, formas de protesto contra a cultura dominante, por isso que eles assumem uma posição contracultural.
Além dessas questões ela salienta sobre o modo pelo qual o antropólogo é desafiado, quando este estuda em sua sociedade. A familiaridade com os valores e padrões sociais coloca a questão da distância social que o pesquisador é levado a executar.  Desse modo, ela afirma que é impossível estar com os punks sem estar entre eles, revela ser preciso participar de suas ações.
            A autora descreve em suas páginas como é o visual dos punks, visto como que hostil por parte de outros indivíduos que não pertencem à tribo[1]; ela faz descrições musicais e também dos movimentos das danças.
            Caiafa afirma também que muitos desses meninos de classes menos desfavorecidas, que são punks, são tão bem informados, quanto os garotos da classe média e de músicos brasileiros que curtem o som. Segundo a autora, tocar em uma banda para os punks não depende de ter conhecimento anterior. O que importa é tocar e transmitir a intensidade do som e chocar através das músicas, e que nenhuma banda punk procura conquistar a plateia, mas tocam para eles mesmos. Diferentemente das bandas heavy-metal que exigem conhecimento musical e instrumental e tocam para o público. Talvez por isso que, os punks veem os heavy com maus olhos, e os julgam de ter se vendido ao sistema.
            De acordo com a autora, os punks, através de suas músicas procuram fazer uma crítica social ao explorar em suas letras temas como “exploração econômica, o desemprego, a guerra, a violência, a corrupção do governo, a pobreza e o perigo pelas ruas” (p. 37)
            Em determinada circunstância, a autora fala sobre a relação dos punks com a mídia. Segundo ela, muitos deles resistem aos holofotes, e alguns não se deixam fotografar ou não gostam de conceder entrevistas, já que “existe entre eles a noção de que isso é nocivo para o Movimento, e eles o dizem claramente, ou simplesmente se subtraem aos ataques das mídias” (p.46).
Por fim, podemos afirmar que a pesquisa de Janice Caiafa tem um caráter confessional. Ela atenta para os processos sociais dos acontecimentos humanos, alertando para os desafios do trabalho de campo, e sobre os impasses enfrentados ao estudar o movimento punk. Ao interpretá-los ela procura enfatizar que sua intenção é fazer uma experimentação para dar conta dos processos humanos. Ela está comprometida na busca de trazer à luz um esforço de compreender esse Movimento no Brasil a partir de uma abordagem das Ciências Sociais ao informar as dinâmicas do grupo nos shows, nas festas; apreendendo questões relativas ao gênero; além das estratégias utilizadas pelos punks no Rio de Janeiro para manter o movimento em virtude da chegada e do avanço da new wave.
Gláucia Santos de Maria





[1] Em outro texto que escrevi sobre a experiência vivenciada pela antropóloga Márcia Regina da Costa, quando a mesma pesquisou sobre a religião fundada no âmbito evangélico, em São Paulo,  denominada Zadoque expressa como uma tribo urbana, em que misturava cenários parecidos com os produzidos para shows de rock e rap, bem como circulavam punks, carecas, rappers etc. (Conferir o texto Zadoque: renascendo sem trocar de roupa- http://academicoscuriosos.blogspot.com.br/2011/07/zadoque-renascendo-sem-trocar-de-roupa_12.html).

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Proclamação da República no Brasil: cidadania popular?

              
               Em 15 de Novembro de 1889 era proclamada a República no Brasil, e com isso era destituído do poder o Imperador D. Pedro II. A realeza deixaria o lugar aos plebeus, que daquele momento em diante seriam os responsáveis pelo destino da Nação. O povo observava “bestializado” os acontecimentos que acarretaram o fim do Império. Era difícil de imaginar que um dia antes o Imperador D. Pedro II, governava com amplos poderes o Brasil. Nada como um dia após o outro para vermos transformações imediatas. A República construiria um novo Brasil imbuído sobre ideal progressista e reformador, que tiraria o país da “inércia” que vivia. Nosso primeiro Presidente seria o militar Deodoro da Fonseca, e nas mãos desse primeiro plebeu a governar o Brasil, mudanças deveriam ser efetuadas para o desenvolvimento da Nação.
            Essas mudanças afetariam o povo, que constituía a Nação Brasileira. No Império o povo não possuía participação, já que o Imperador era o senhor do destino do país. Já no regime Republicano o povo ganharia participação nas decisões da sua Nação, e deixava o anonimato para se tornar cidadão. No império, ser cidadão segundo o pesquisador José Murilo de Carvalho, era necessário comprovar renda para exercer a cidadania, assim, ser cidadão no período imperial no Brasil, era privilégio de poucas pessoas. Na República isso iria mudar, “todos teriam direitos iguais”, (ricos e pobres teriam direito ao voto e a serem votados), exceto os menores de 21 anos, as mulheres, os analfabetos, militares e clérigos. O que ficou em parênteses explica bem o sentido real expresso pelo regime Republicano no Brasil, em seus primeiros anos. A comprovação de renda não era mais necessária para ser cidadão, porém, esse deveria está dentro dos pré-requisitos que o regime republicano queria.
            A República no Brasil igualmente ao Império também seria exclusiva. Dentro da obra de José Murilo de Carvalho “Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi.” (1987) Podemos observar como essa exclusão era perceptível dentro da sociedade brasileira. O Rio de Janeiro seria uma prova da manutenção do poder dessa prática. Um ano após a proclamação da República no Brasil, surge a primeira oportunidade do cidadão republicano exercer sua participação dentro dos interesses políticos da nação. Em uma cidade onde o número de eleitores em potencial chegavam a mais de 500 mil, é verdade que diante dos pré-requisitos impostos pelo Regime Republicano no Brasil, esse número se resumiria há um pouco mais de 100 mil eleitores. Porém, o número de cidadãos que foram as urnas não passou de 12 mil pessoas.
            O número baixo de pessoas que foram as urnas alertou o novo Regime de uma apatia política advinda dos moradores da Capital brasileira que acabava englobando toda sociedade no geral. Já que no decorrer dos anos essa apatia nas eleições não mudava, e uma explicação que pode ser retirada desses acontecimentos. É que o povo sabia que igualmente como no período imperial, a República no Brasil não daria espaço para os cidadãos menos abastados. Os cidadãos da elite Brasileira que já se faziam ser ouvidos no Regime Imperial, na República esses seriam os detentores dos destinos do Brasil.
 E para manter essa autonomia, dentro do novo sistema, nos dias das eleições, os candidatos andavam com assassinos conhecidos e capoeiras, isso provocava no eleitor um sentimento de medo, que mesmo que o eleitor não se intimidasse com essas figuras que geravam temor para exercer seu voto, ainda haveria as fraudes eleitorais. O povo então quis se manter distante da política. Segundo o pesquisador José Murilo de Carvalho. “O povo do Rio, quando participava politicamente, o fazia fora dos canais oficiais, através de greves políticas, de arruaças, de quebra-quebras”. (Carvalho, 1987, p.90) O povo da capital do Brasil era político, a elite que tinha o poder é que não permitia o povo de exercer a sua cidadania.
A República no Brasil era algo novo, era compreensível esse primeiro momento de afastamento do povo. Se no Rio de Janeiro era dessa maneira, é imaginável como não seria nas outras regiões do País. A novidade da República assustava algumas pessoas. Esse foi o caso da Revolta de Canudos, já que a figura do imperador para as pessoas humildes do povoado de Canudos, no sertão da Bahia, era sagrada, igualmente a figura de Jesus Cristo. Algumas medidas que surgiram junto com a República, além de derrubar a figura sagrada para esse povo, também afetariam tradicionalmente os costumes da população que formou o povoado de Canudos. Revoltado contra o afastamento da Igreja Católica do Estado, e com sua própria miséria, surgiria o povoado de Canudos que logo ganhou muitos adeptos, sobre a liderança de Antônio Conselheiro, um Messias da Monarquia, para os republicanos.
Esse povoado entre 1893 a 1897 assustou as autoridades Republicanas do Brasil. Suprimida por uma grande investida militar, após alguns fracassos a República venceu os conspiradores da Monarquia. O povo se mostrava contra a República, por essa agir autoritariamente nas suas tradições e no seu cotidiano. Os acontecimentos ocorridos no sertão da Bahia seriam evidenciados na capital brasileira. A Revolta da Vacina no ano de 1904, não foi apenas uma revolta em função da obrigatoriedade de todos serem vacinados. E sim pela forma autoritária que o Governo agia com os cidadãos menos abastados, vacinando a força, após deixar muitas dessas pessoas sem moradia, com a reforma urbana da cidade do Rio de Janeiro. O que esperar da vacina obrigatória da República?
O povo então se manifestava quando eram afetados drasticamente, os movimentos surgiam quase revolucionariamente, assustando a Elite e a República. O fato de se abster do voto não queria dizer que o povo, não era político, e sim que este estava descontente com os rumos do novo regime. A democracia pregada pela República não era tão acolhedora para o Povo. Deve ser por isso que o povo acompanhou “bestializado” a Proclamação da República. Imaginando que o novo regime não mudaria sua condição de vida como era enfatizado pelos republicanos, não momentaneamente, como se dizia. As transformações só surgiram com os movimentos sociais, que ao longo da história vem moldando a República no Brasil.

Ronyone de Araújo Jeronimo

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Redução da maioridade penal: seria a solução?


Queria falar de uma coisa que vem me inquietando há algum tempo: a redução da maioridade penal. É um tema que vem sendo bastante discutido entre diversos setores da sociedade, e sobre ele falarei, mediante uma situação vivida por mim. Recebi há alguns dias, links sobre uma petição que visa recolher uma quantidade de assinaturas a ser enviada ao Congresso Nacional para que seja votada “redução da maioridade penal para 12 anos de idade[1]”. 
           O texto da petição segue dizendo:
Menores que matam, roubam, estupram, traficam drogas, dentre outros crimes, são considerados inimputáveis. Se eles têm capacidade para praticar todo e qualquer tipo de delito, que respondam por suas ações.
Os argumentos da referida petição continuam seguindo a mais essas palavras:
Senhores parlamentares, pedimos que seja votada a redução da maioridade penal para 12 anos de idade. Pedimos a criação de estabelecimentos prisionais próprios para criminosos na faixa etária de 12 a 14 e de 15 a 18 anos de idade.
        Certo, vamos criar novos estabelecimentos prisionais apropriados para esses “criminosos mirins”, mas de que maneira? Sobre isso, ainda não encontrei nenhuma resposta. Fico pensando como seriam esses estabelecimentos... Muito dos argumentos que ouço a respeito dessa questão é, muitas vezes, em alusão ao sistema criminal de outros países. Mas será que o Estado brasileiro está preparado, será que ele tem condições de criar estabelecimentos que “ordenem”, disciplinem e ressocializem esses "jovens delinquentes"? Temos como implantar um modelo prisional de fora, em condições culturais tão discrepantes da nossa? As coisas não funcionam tão efetivamente quando são colocadas em prática, no discurso possa ser que sim, mas na realidade...
            O sistema prisional brasileiro, por exemplo, está fadado, é uma instituição falida, não garante condições de ressocializar ninguém (pelo menos é o que alguns estudos mostram), e os exemplos não faltam. Como querer que um indivíduo se “regenere” se ele não tem condições mínimas de higiene (o vaso sanitário às vezes é apenas um buraco no chão), péssimas condições alimentares, celas abarrotadas... Diante de tais problemas enfrentados dia a dia, em que a ociosidade também é constante, por falta de atividades, e o contato com os outros de “fora”, da sociedade “ordeira” são feitas a partir de procedimentos de revista que, mesmo que considerados legais, por vezes ultrapassam os limites dos direitos humanos, em que mulheres agacham-se três vezes de frente, mais três de costas diante das agentes sob o constrangimento de muitas vezes não conseguir visitar seu ente diante de suspeitas, e longas filas de espera. O que esperar do futuro?
            Uma coisa é o que a lei diz, o que a sociedade fala e o que realmente acontece na realidade dessas instituições. Será que nosso Estado, será que nossa sociedade realmente está preparada para reduzir a maioridade penal? Será que tal redução é garantia de diminuição da violência? Será que o sistema brasileiro tem condições de receber de volta esses indivíduos a “sociedade civilizada”? Se o Estado é pensado como “responsável” em garantir condições sociais, mas não as efetiva na realidade, como um indivíduo desses pensará desse Estado? Logicamente o verá como um inimigo, tendo em vista que as condições precárias no sistema prisional brasileiro, não possibilita que este tenha condições mínimas de dignidade humana, pois todos, independente do que fez, têm direitos[2].  O que dirá da construção de estabelecimentos para menores? Será que temos condições de sustentá-los com as mínimas condições? Ou seria apenas um depósito de menores infratores? Quem é que sabe...
             Por fim, a minha atitude em refletir sobre essas questões não é a de defender infratores, ou qualquer outro nome que desejam usar para se referir as pessoas que comentem crimes, minha intenção é para que possamos pensar até que ponto podemos ser tão presunçosos a ponto de termos a solução final para os problemas da criminalidade do Brasil. É preciso que pensemos sobre nossa sociedade, nossa cultura, refletirmos nossos problemas e encontrarmos condições que possam ser “efetivas” a partir do nosso contexto. Pois o que dá certo em outros países, talvez não se modele a nossa sociedade. Temos que pensar em nossa estrutura social, nos nossos limites e virtudes, pensar em políticas públicas, no próprio ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) para assim (não só com isso), podermos encontrar meios que possam ao menos mitigar certas problemáticas, mas isso exige esforços ao longo prazo, não é do dia para o outro. [Bom, quero ver no que isso vai dá. Estou aguardando o final da petição].

Gláucia Santos de Maria

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Vico e a “Ciência Nova”: contribuições para o saber histórico


            “Um verdadeiro historiador é aquele que consegue uma relação afetiva com o passado, mas ao mesmo tempo, manter certa distância dele”. (SALIBA, 2003, p.285). A opinião de Vico é que o historiador deveria analisar as fontes, mantendo uma relação com o passado, e ao mesmo tempo se distanciando deste, para não criar um diálogo em que o presente influenciasse o passado. Esta é uma colocação bem avaliada, pois o distanciamento do historiador com as relações do passado impedem, que o mesmo fique alheio do presente ou que o mesmo coloque o presente no passado. Pois na opinião do filósofo italiano Giambattista Vico, a História seria uma ferramenta, que possibilitaria aos homens compreender como se deram as construções das mentalidade humanas, ao longo do tempo, e o modo que as figuras do passado se articulavam no presente. Sendo assim, a História seria então, um dos estudos da humanidade, desde suas primeiras concepções humanas.
            Giambattista Vico é considerado um precursor da história, e um homem acima de seu tempo. Pois criar uma obra, em um período hegemônico das ideias cartesianas[1], a qual a história era qualificada como criadora de fábulas que inventavam o passado, dando a mesma um caráter lendário a qual supostamente apresentaria o passado o mais fantástico do que realmente fora.  Esse pensamento se dava pelo fato das ideias empiristas[2] dominarem o cerco da razão. As ciências naturais dominavam o pensamento do século XVIII, definiam a racionalidade do pensamento, pois a mesma bebia da exatidão, que a história não possuía. Assim, a história era colocada como um estudo estéril, sem pouco valor de se estudar. Esse pensamento será combatido por Vico em sua obra “Ciência nova” de 1725, na qual o mesmo trará a história como uma nova ciência que deveria ser estudada e apreciada. Pois a história poderia revelar as relações humanas, já que a ciências naturais enfatizavam o pensamento cartesiano, que buscava no estudo de um objeto desconhecido, que não fora criada pelo homem, e sim pelo divino. Que o homem poderia entender o divino e execrar o conhecimento de suas próprias criações, a qual, a história revelava.
            A Obra de Vico, Ciência nova, não tinha somente a intenção de derrubar o pensamento cético de Descartes e de seus seguidores, sobre a história, e sim contribuir com argumentos que poderiam modelar a percepção sobre as atividades históricas. O estudo da antiguidade será fundamental para Vico ao discutir as articulações e características das civilizações que modelaram o pensamento humano. Tanto que o primeiro capítulo do livro Ciência nova dialogara com as fontes que constrói o mundo antigo, dos Caldeus aos Romanos. Vico trará desse primeiro momento de sua obra os mitos e os rituais que primitivamente moldaram os homens. E construíram a fantasia, que veste o nosso sentido de passado. Pois é a partir das interpretações das linguagens e dos mitos, que podemos entender as sociedades. A fantasia, no sentido a qual Vico buscou explicar, era no sentido de entender as primeiras relações que davam origem as tradições, que criavam os deuses e os heróis.
            De acordo com Vico a partir do momento que conseguimos desmontar mentalmente nossa visão do passado, conseguimos aspirar ao conhecimento “verdadeiro”, ao qual ele ressaltava que o historiador deveria agir, para que o mesmo não criasse uma familiaridade com o passado. Dessa maneira Vico destacava que o homem não possuía uma só natureza, diferente de Voltaire que acreditava numa universalidade da natureza humana, dando a humanidade um caráter único, discordado por Vico, que dizia que o homem não possuía natureza e sim história, e por isso que os homens deveriam entender os sentidos que formavam a história. Partindo desse pensamento, Vico formulou a história ideal, umas das principais contribuições criadas pelo filósofo, que buscava entender a História da humanidade. A história ideal possuía idades que formavam a humanidade, eram constituídas por três idades. Idade dos Deuses, dos heróis e dos homens.
Essa exemplificação das três idades criava uma teoria cíclica para história, onde a razão caminharia junto à irrazão. Pois a história não consiste em anular a emoção nem tão pouco criar uma única dimensão para o homem, a qual esse seria reduzido apenas à racionalidade. Vico acreditava que emoção poderia vir junto com razão. Assim a Teoria cíclica formulada por Vico se contrapõe a teoria linear[3]. A qual o avanço não retrocederia ao primitivo. Na proposta circular do Corsi e Ricorsi (razão e irrazão). A irrazão dava lugar à razão num processo de avanço, mais o mesmo poderia retroceder, vivenciando um processo de círculo em que nenhum dos dois poderia ser eliminado pelo outro. Nesse processo Vico apresentava essas três idades. A idade dos deuses representava a fantasia e suas criações imagéticas que criavam o mundo. A segunda idade, a dos heróis representava as primeiras construções de poderes, onde os fortes e os guerreiros constituíam um governo aristocrático, e esses governavam por seus feitos heroicos. A terceira idade, era a dos homens, governos monárquicos esclarecidos com leis universais, que derrubava a imaginação e dava ênfase à linguagem popular, uma época moderada e considerada racional. No contexto circular da teoria cíclica, depois de vivenciar a terceira idade, retrocederia a primeira fazendo novamente o mesmo processo, a qual a primeira não seria melhor que a última idade.
No campo da epistemologia da história, Vico também daria contribuições, no que diz respeito às origens, na qual colocaria a filosofia e filologia lado a lado, já que filosofia buscava a razão, a filologia o “certo”. A história se apresentaria como um estudo crítico das relações humanas, onde a razão e a verdade estariam implícitas dentro do mesmo contexto. Assim a filosofia não poderia encontrar a verdade distante da história e a filologia não poderia encontrar a verdade das linguagens sem antes uma reflexão sobre a civilização que constituíram essa linguagem. A grande preocupação de Vico em sua obra Ciência nova é mostrar que as construções das sociedades não foram articuladas umas com as outras, e havia até mesmo desconhecimento de uma sociedade para outra. No entanto o direito natural surgiu em todos os povos, de acordo com ele.
Por fim, as relações humanas são o que constroem as atividades que geram o gênero humano. A história para Vico tem como função esclarecer as origens e os detalhes que formaram a humanidade, a partir de suas relações. Para ele a história é uma representação humana dos feitos que os homens proporcionavam. Nesse sentido, ao tratar sobre tal questão, Vico acreditava que a História deveria dar “um prazer divino ao leitor, pois em Deus é a mesma coisa que criar e conhecer” (REIS, 2003, p.295). Pois o prazer que a História representava para o homem era o mesmo que Deus possuiria com a sua criação.

Ronyone de Araújo Jeronimo



[1] Descartes propôs fazer uma ciência essencialmente prática e não especulativa inspirado no rigor matemático e racionalista.
[2] Os empiristas acreditam que o conhecimento vem apenas ou principalmente, a partir da experiência sensorial.
[3]Visão contínua da história. Tudo está determinado, tudo será sempre desta forma, não mudará a não ser dentro de um processo continuo, gradativo.


sábado, 2 de fevereiro de 2013

Quem precisa sair do armário?



     O tema homossexualidade, sem dúvida, é uma questão que pressupõe discussões em diversos âmbitos: religioso, político, familiar, social, enfim, é um assunto que dá muito pano para manga. Há uma verdadeira obsessão por parte dos mais conservadores- se assim vocês me permitam- em saber o que os homossexuais fazem na cama ou por que elas não largam essa vida, ou ainda não assumem publicamente que são. Bom, posso até estar tendo uma atitude muito generalizadora ao fazer tais afirmações, então vamos por partes.
A sociedade como um todo, ou melhor, dizendo, a maioria dos grupos sociais existentes estabelecem modelos de comportamento. É sabido que o padrão heterossexual é tido como o “fundamental” comportamento para a procriação, aceito moralmente pelas diversas famílias de “respeito”, e de suma importância para “manter” a ordem social. Para quem se afirma heterossexual, pode até concordar ou não com tais ditames, mas diante de tal posição é bem mais fácil conciliar sua vida com tudo isso. Mas quem se sente- não sei se seria esse um termo apropriado- homossexual, há uma verdadeira confusão diante de tais imposições. É claro que muitos homossexuais já têm essa questão mais resolvida. E os demais?
É incrível como quando “os pais, as tias, os amigos, os colegas da escola, os professores percebem a orientação dos desejos sexuais e afetivos de um jovem ou de uma jovem, organiza-se em torno deles uma verdadeira campanha” (BERNADET, 2008). Nem sempre a pessoa tem formado isso na cabeça, mas ao se comportar de determinadas formas, esse “desviante” já é apontado como anormal, comprometedor, uma criatura que merece tratamento, seja psicológico ou de caráter religioso. Eis que esse clima de insegurança paira o imaginário social em torno do que o sujeito pode causar.
É perceptível que o preconceito gerado por essas pessoas gera uma perfeita conflitualidade dentro da mente daquele que não se enquadra dentro do modelo proposto pelos ditos “normais”. Pior ainda quando querem, a todo custo, que afirmem que são gays, e que se decida a saírem definitivamente do armário. Digo sair do armário no modo pejorativo do termo, não no movimento gay ou bi que tem como ideologia o enfrentamento sobre os direitos dessas pessoas. Mas é importante pensar que uma pessoa homossexual não é “obrigada” a estampar nos outdoors da cidade uma identidade gay. Essa tal política do reconhecimento exige que sejam reconhecidos publicamente de modo opressivo para aqueles que querem tratar de seu corpo, de suas relações como dimensões pessoais do eu (VITA, 2002).
Com esse argumento anterior não quero afirmar que não tenha de se dar visibilidade aos movimentos, as manifestações em torno da questão homossexual. Longe disso. Reforço minha discussão desse modo:

Em que medida alguns homossexuais (os militantes de movimentos gays, por exemplo) se empenharão ativamente na afirmação de uma identidade gay, ao passo que outros (mesmo tendo “saído do armário”) preferirão não fazê-lo, essas são escolhas que ficam por conta da liberdade de associação e da responsabilidade que cada um deve ter pelos próprios objetivos e fins. (VITA, 2002)

            A minha discussão gira em torno dessa questão da escolha, do respeito à liberdade de se afirmar ou não como homossexual. Cada um, na sua posição como pessoa, como indivíduo tem essa liberdade, mesmo que seja passível de questionamento. Isso, certamente, terá. Mas ao invés de se estabelecer tal campanha: assuma o que você é, o que você faz, não seria melhor pensarmos que essa pessoa não deve ser pensada em termos (perdoe-me a expressão) do que ela faz ou deixa de fazer na cama com seus parceiros? Um homossexual e demais denominações que usamos para qualificarmos e separarmos os grupos, são antes de tudo pessoas! Indivíduos que tem vivências, trabalhos, profissões, famílias, projetos, sonhos... Somos sim diferentes, mas ser diferente não é sinônimo de tratar com desigualdade. E quando reconhecidos como tal, é preciso mesmo obrigar a “sair do armário”? Quem precisa sair do armário? Seria melhor esconder nossos preconceitos nele? Resolveria também? Pense.

Gláucia Santos de Maria