“Um verdadeiro historiador é aquele
que consegue uma relação afetiva com o passado, mas ao mesmo tempo, manter
certa distância dele”. (SALIBA, 2003, p.285). A opinião
de Vico é que o historiador deveria analisar as fontes, mantendo uma relação
com o passado, e ao mesmo tempo se distanciando deste, para não criar um
diálogo em que o presente influenciasse o passado. Esta é uma colocação bem
avaliada, pois o distanciamento do historiador com as relações do passado
impedem, que o mesmo fique alheio do presente ou que o mesmo coloque o presente
no passado. Pois na opinião do filósofo italiano Giambattista Vico, a História
seria uma ferramenta, que possibilitaria aos homens compreender como se deram
as construções das mentalidade humanas, ao longo do tempo, e o modo que as
figuras do passado se articulavam no presente. Sendo assim, a História seria
então, um dos estudos da humanidade, desde suas primeiras concepções humanas.
Giambattista Vico é considerado um
precursor da história, e um homem acima de seu tempo. Pois criar uma obra, em
um período hegemônico das ideias cartesianas[1], a
qual a história era qualificada como criadora de fábulas que inventavam o passado, dando a
mesma um caráter lendário a qual supostamente apresentaria o passado o mais
fantástico do que realmente fora. Esse
pensamento se dava pelo fato das ideias empiristas[2]
dominarem o cerco da razão.
As ciências naturais dominavam o pensamento do século XVIII, definiam a racionalidade
do pensamento, pois a mesma bebia da exatidão, que a história não possuía.
Assim, a história era colocada como um estudo estéril, sem pouco valor de se
estudar. Esse pensamento será combatido por Vico em sua obra “Ciência nova” de
1725, na qual o mesmo trará a história como uma nova ciência que deveria ser
estudada e apreciada. Pois a história poderia revelar as relações humanas, já
que a ciências naturais enfatizavam o pensamento cartesiano, que buscava no
estudo de um objeto desconhecido, que não fora criada pelo homem, e sim pelo
divino. Que o homem poderia entender o divino e execrar o conhecimento de suas
próprias criações, a qual, a história revelava.
A Obra de Vico, Ciência nova, não tinha
somente a intenção de derrubar o pensamento cético de
Descartes e de seus seguidores, sobre a história, e sim contribuir com
argumentos que poderiam modelar a percepção sobre as atividades históricas. O estudo
da antiguidade será fundamental para Vico ao discutir as articulações e características
das civilizações que modelaram o pensamento humano. Tanto que o primeiro capítulo
do livro Ciência nova dialogara com as fontes que constrói o mundo antigo, dos
Caldeus aos Romanos.
Vico trará desse primeiro momento de sua obra os mitos e os rituais que
primitivamente moldaram os homens. E construíram a fantasia, que veste o nosso
sentido de passado. Pois é a partir das interpretações das linguagens e dos
mitos, que podemos entender as sociedades. A fantasia, no sentido a qual Vico
buscou explicar, era no sentido de entender as primeiras relações que davam
origem as tradições, que criavam os deuses e os heróis.
De acordo com Vico a partir do
momento que conseguimos desmontar mentalmente nossa visão do passado,
conseguimos aspirar ao conhecimento “verdadeiro”, ao qual ele ressaltava que o
historiador deveria agir, para que o mesmo não criasse uma familiaridade com o
passado. Dessa maneira Vico destacava que o homem não possuía uma só natureza,
diferente de Voltaire que acreditava numa universalidade da natureza humana,
dando a humanidade um caráter único, discordado por Vico, que dizia que o homem
não possuía natureza e sim história, e por isso que os homens deveriam entender
os sentidos que formavam a história. Partindo desse pensamento, Vico formulou a
história ideal, umas das principais contribuições criadas pelo filósofo, que
buscava entender a História da humanidade. A história ideal possuía idades que
formavam a humanidade, eram constituídas por três idades. Idade dos Deuses, dos
heróis e dos homens.
Essa
exemplificação das três idades criava uma teoria cíclica para história, onde a
razão caminharia junto à irrazão. Pois a história não consiste em anular a
emoção nem tão pouco criar uma única dimensão para o homem, a qual esse seria
reduzido apenas à racionalidade. Vico acreditava que emoção poderia vir junto
com razão. Assim a Teoria cíclica formulada por Vico se contrapõe a teoria
linear[3]. A
qual o avanço não retrocederia ao primitivo. Na proposta circular do Corsi e
Ricorsi (razão e irrazão). A irrazão dava lugar à razão num processo de avanço,
mais o mesmo poderia retroceder, vivenciando um processo de círculo em que
nenhum dos dois poderia ser eliminado pelo outro. Nesse processo Vico
apresentava essas três idades. A idade dos deuses representava a fantasia e
suas criações imagéticas que criavam o mundo. A segunda idade, a dos heróis
representava as primeiras construções de poderes, onde os fortes e os
guerreiros constituíam um governo aristocrático, e esses governavam por seus
feitos heroicos. A terceira idade, era a dos homens, governos monárquicos
esclarecidos com leis universais, que derrubava a imaginação e dava ênfase à
linguagem popular, uma época moderada e considerada racional. No contexto
circular da teoria cíclica, depois de vivenciar a terceira idade, retrocederia
a primeira fazendo novamente o mesmo processo, a qual a primeira não seria
melhor que a última idade.
No
campo da epistemologia da história, Vico também daria contribuições, no que diz
respeito às origens, na qual colocaria a filosofia e filologia lado a lado, já
que filosofia buscava a razão, a filologia o “certo”. A história se
apresentaria como um estudo crítico das relações humanas, onde a razão e a
verdade estariam implícitas dentro do mesmo contexto. Assim a filosofia não
poderia encontrar a verdade distante da história e a filologia não poderia
encontrar a verdade das linguagens sem antes uma reflexão sobre a civilização
que constituíram essa linguagem. A grande preocupação de Vico em sua obra
Ciência nova é mostrar que as construções das sociedades não foram articuladas
umas com as outras, e havia até mesmo desconhecimento de uma sociedade para
outra. No entanto o direito natural surgiu em todos os povos, de acordo com
ele.
Por
fim, as relações humanas são o que constroem as atividades que geram o gênero
humano. A história para Vico tem como função esclarecer as origens e os
detalhes que formaram a humanidade, a partir de suas relações. Para ele a história
é uma representação humana dos feitos que os homens proporcionavam. Nesse
sentido, ao tratar sobre tal questão, Vico acreditava que a História deveria
dar “um prazer divino ao leitor, pois em Deus é a mesma coisa que criar e
conhecer” (REIS, 2003, p.295). Pois o prazer que a História representava para o
homem era o mesmo que Deus possuiria com a sua criação.
Ronyone
de Araújo Jeronimo
[1] Descartes propôs fazer uma ciência essencialmente
prática e não especulativa inspirado no rigor matemático e racionalista.
[2] Os
empiristas acreditam que o conhecimento vem apenas ou principalmente, a partir da experiência sensorial.
[3]Visão
contínua da história. Tudo está determinado, tudo será sempre desta forma, não
mudará a não ser dentro de um processo continuo, gradativo.