O Brasil nas primeiras décadas do século XX vivenciava o desejo de
se tornar uma nação civilizada e moderna, inspirada nas civilizações européias,
principalmente na França. O país iniciaria um processo de reforma urbana,
tomando como exemplo a reforma que a cidade de Paris sofrera na metade do
século XIX. Com o intuito de promover para o Brasil, não só transformações nos
espaços físicos de suas cidades, e sim construir novos hábitos, que eram comuns
em países civilizados como a França.
O Rio de Janeiro que era a
capital do país no período destacado seria a primeira cidade brasileira a
passar pelo processo de europeização, trazida com as reformas empreendidas pelo
prefeito do Rio de Janeiro, Francisco Pereira Passos (1902-1906). Uma figura
que ficaria conhecida em circunstância da reforma urbana feita no Rio de
Janeiro, que alargaria e abriria ruas, construindo grandes avenidas. Essas
reformas tinham o propósito de embelezar a cidade do Rio de Janeiro e
dificultar a proliferação de doenças. Essa reforma possuía então o intuito de
higienizar a cidade. Com essa perspectiva, medidas foram adotadas com intenção
de suprir essa necessidade. Entre essas medidas, estava o saneamento e a
vacinação da população.
A reforma urbana
no Rio de Janeiro geraria conflitos em decorrência do governo autoritário de
Pereira Passos. Porém, essa reforma, aos moldes de cidade francesa, se tornaria
exemplo para outras cidades do Brasil. Desse modo, nas primeiras décadas do
século XX serão evidenciadas por todo país essas mudanças, que trazia junto com
elas, novos costumes que surgiam com os novos espaços. O desejo das autoridades
públicas de construírem uma população civilizada e modernizada semelhante à
sociedade europeia acabaria promovendo uma dicotomia, que deixaria os
habitantes do Brasil entre a modernidade e o “atrasado”.
Essa dualidade
será observada pelo historiador Elias Tomé Saliba, a partir de uma vertente
cômica, permitida por um conjunto de fontes (Charges, imagens, anúncios,
livros) que elucidam o momento em que o Brasil vivia nas primeiras décadas do
século XX. Todavia, o objetivo buscado por esse texto é trabalhar como a figura
do “atrasado” se manifesta nessas fontes trabalhadas por Saliba, observando,
que mesmo vivendo um processo de modernização nas cidades do Brasil nas
primeiras décadas do século XX, a representação do brasileiro por muito tempo
será a imagem do Jeca Tatu, personagem criado por Monteiro Lobato, que ganharia
com esse personagem um concurso da revista Fon Fon. Este prêmio seria entregue
para uma pessoa que conseguisse criar um personagem que mais representasse
unitariamente o brasileiro.
A imagem do Jeca
Tatu representava o “atrasado”, um ser que mesmo com o processo de modernização
trazido pelas reformas urbanas, não teria sido inserido nessas transformações.
O personagem que representava o povo brasileiro, no seu geral, estava assolado
por enfermidades e maus costumes, que propiciavam a indolência de espírito, que
não deixava o Brasil crescer. Lobato, a
partir do personagem Jeca Tatu, desconstruiu a figura do trabalhador rural,
antes reconhecido como uma força braçal sadia e forte, para se tornar um doente
e fraco na imagem caricaturada do Jeca Tatu. A intenção de Monteiro Lobato com
Jeca Tatu, era alertar as autoridades do Brasil, que a modernização, e os bons
costumes deveriam chegar aos quatro cantos do Brasil. E não só nas principais
cidades da Nação.
Apesar de o Jeca
Tatu ter sido criado buscando enfatizar a figura generalizante do povo brasileiro,
outra representação surge no Nordeste, a figura do Mané Xiquexique, personagem
nascido no Ceará, criado por Ildefonso Albano, que se contrapunha ao personagem
de Monteiro Lobato. Mostrando que o personagem nordestino poderia sobreviver e
prosperar em qualquer solo, não importando a dificuldade do mesmo, o personagem
de Albano seria o interiorano típico do Nordeste, que mesmo com as
dificuldades, se mostrava forte e pronto para o trabalho. Se por um lado Albano
buscou com o personagem Mané Xiquexique criar uma representação positiva para o
povo brasileiro, por outro lado acabou corroborando para perspectiva do ser “atrasado”
e não moderno. Já que o Mané Xiquexique seria um matuto, que enfrentava a miséria
com o bom humor. Isso seria uma representação de um povo que era “conformado”
com a vida miserável que tinha e não buscava melhoras para essa situação.
Essas eram
algumas das representações que buscavam traduzir a personalidade generalizante
do povo brasileiro. Mostravam para as autoridades públicas do Brasil, o que
estes buscavam esconder para os estrangeiros de que a nação brasileira ainda
vivia no atraso. O exemplo do Rio de Janeiro e de outras cidades do Brasil que
no decorrer das primeiras décadas do século XX adotaram reformas urbanas, com
intuito de modernizar, se tornando exemplo de que o Brasil estava se
modernizando, e se civilizando, caía por terra, com as representações feitas
pelos intelectuais, que mostravam a “verdadeira” realidade do Brasil. Uma
realidade que se perpetuou por mais algumas décadas do século XX. Para
comprovar esse argumento, basta acompanhar a cinematografia do comediante
Amâncio Mazzaropi, que até o fim da vida deu vida ao personagem Jeca.
O seu sucesso como comediante era exposto por alguns críticos de
cinema, pelo fato deste igualmente “A Chaplin, procurar fundir as duas
expressões. O segredo de sua permanência é antiguidade. Ele atinge o fundo
arcaico da sociedade brasileira de cada uma de nós”. (Saliba, 1998, p.359). O sucesso
de Mazzaropi no cinema brasileiro se devia ao fato do Brasil estar entre a
modernidade e o atrasado, os personagens de Mazzaropi que abordavam o arcaico,
construía no público que assistia seus filmes uma identificação com que estava
sendo trabalhado. Logo é possível observar que a modernidade no Brasil foi um
processo lento, que só aos poucos foi chegando aos demais lugares do Brasil.
Ronyone de Araújo Jeronimo