segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O assunto da “moda”: Violência urbana


A violência é tão fascinante
E nossas vidas são tão normais.
(Baader- Meinhof Blues Legião Urbana)


O ano de 2014 está acabando e junto dele vamos contabilizando saldos positivos e negativos daquilo que vivemos ao longo destes quase 365 dias. Sem dúvida, o ano em questão foi bastante desafiante, tendo em vista que muitas coisas aconteceram e tivemos que tomar diversas decisões: particulares, de trabalho, família, estudos, política... Sim, nas ruas, calçadas, na TV e no debate político um dos temas favoritos das pessoas, mais comentados, ao lado da educação, saúde foi à questão relativa à segurança pública, ou em termos mais “simples”, as discussões sobre violência, sobretudo: a violência urbana. Bom, traçarei algumas linhas acerca desse assunto tão “famoso” em nossos dias, por que não dizer um dos assuntos da “moda”? Vejamos.
Defendi há poucos meses em minha monografia[1] que a violência e o medo ocupam um lugar similar no medo social. De um lado, a violência urbana tem se constituído como um dos grandes desafios a ser enfrentados pelo mundo inteiro, e seus efeitos têm atingido de diversas formas os vários grupos sociais. No caso particular do Brasil, ela tem se manifestado de diferentes maneiras (assaltos, roubos, sequestros, homicídios, estupros, etc.) e têm atingido de modo (in) direto diversos atores sociais. Segundo Corrêa (2008) a violência urbana tem sido pauta na maioria dos noticiários em diversos veículos de comunicação, sejam em telejornais, nos diários impressos, no rádio, na internet e etc. Dessa forma, frequentemente somos alertados através da mídia, e até mesmo nas conversas informais com amigos, vizinhos, familiares sobre histórias relativas a crimes que tem se manifestado em diversos setores da sociedade e que tem preocupado não só a população, mas também diversos estudiosos (ADORNO, 1998; MARTUCCELLI, 1999; CALDEIRA, 2000; SOUZA, 2008) de diversas áreas que têm se esforçado para compreender as múltiplas facetas desse fenômeno. Por outro lado, ao mencionar a violência urbana como um obstáculo a ser enfrentado, precisamos nos esforçar para entender a sua relação com outra categoria importante: o medo.
De acordo com Bauman (2008) o medo é bem mais assustador quando ele é difundido sem endereço nem motivos claros, e se espalha por todas as atividades existenciais. A ideia de medo foi se transformando ao longo do tempo. Se antes o medo advinha principalmente dos ataques da natureza, com o passar do tempo ele foi se constituindo através das relações sociais, em outras palavras, do próprio convívio social (CORRÊA, 2008).
Paradoxalmente nossa sociedade é mais (in) segura em termos de aparatos protetores, segurança particular, equipamentos de segurança, espaços cercados, fechados, controlados 24 horas etc. Ao lado dessa indústria da segurança particular, temos percebido que a adoção de um estilo de vida em condomínios residenciais fechados tem contribuído para fragmentar cada vez mais o espaço urbano, e a violência e o medo têm contribuído para novas formas de sociabilidade, e, além disso, como colocou Souza (2008) essa autossegregação é um dos componentes que tem fragmentado o tecido sócio-político-espacial com a expansão dos condomínios, e isto representa não uma solução, mas uma fuga para o enfrentamento da violência e do medo. Além disso, sob a justificativa do medo e da violência (CALDEIRA, 2000), alguns grupos sociais têm “resolvido” tal questão circulando cada vez menos em espaços públicos. E isso, talvez seja um dos motivos que tem ajudado a promover estigmas contra aqueles que são considerados “suspeitos” por circularem com mais frequência nas ruas, nas praças, e que, ao mesmo tempo tais “soluções individualistas de proteção” são formas de manter hierarquias de classes sociais, impondo que “cada um fique no seu lugar”.
Os anúncios publicitários de condomínios residenciais, por sua vez, procuram se “alimentar” desses relatos diários da mídia sobre crimes, violência e o medo atrelado a eles, trazendo em suas ilustrações, cores e frases de efeito a “solução” para os problemas da violência em diversas cidades brasileiras, vendendo a ideia de que morar nesses espaços constituem a melhor forma de viver tranquilo e seguro, procurando criar um “mundo ideal” ao buscar através de estratégias publicitárias removerem os defeitos do “mundo real”, convencendo os futuros moradores de seus domínios.
Sobre as imagens construídas em relação à violência, cada pessoa expressa diversos sentimentos sobre ela. Em alguns casos, existe uma relação direta com a experiência de ter sido vítimas de assaltos em algum momento da vida. Em outros casos, suas percepções estão relacionadas, mesmo que implicitamente, às imagens, às notícias veiculadas nas mídias, ou ainda com “casos ocorridos com parentes próximos e amigos ancorados em outros territórios” (SPOSITO E GÓES, 2013, p.51).  Mas não podemos nos esquecer, que, a sensação de insegurança em virtude da violência pode até chocar, mas há quem lucre (e muito!) com a sua permanência. De um lado, a violência é representada como um fator constante e presente no dia a dia dos indivíduos, pois há quem diga que “a cidade, o bairro, o mundo de hoje em que vivemos não oferece segurança nenhuma”. Do outro, as notícias veiculadas sobre violência, sob o aspecto da criminalidade, têm rendido boas manchetes, uma ampla audiência e gerado bons negócios. Com efeito, as empresas de segurança privada também tem se beneficiado com a venda de serviços e equipamentos de proteção destinados a bancos, indústrias, shopping-centers e até nos condomínios residenciais para impedir que “intrusos” adentrem seus espaços agora fortificados.
A violência também se apresenta como uma categoria acusatória, que reforça a todo instante que o perigo vem sempre do outro: do entregador de encomendas; dos mais jovens; dos usuários de drogas; dos pedintes; dos “delinquentes” e “maus elementos”. É associada também à pobreza, à “falta de educação das pessoas”, ao “descompromisso” da esfera pública, de famílias “desestruturadas”, mas de forma alguma mencionam a desigualdade social promovida pela construção de mecanismos de defesa, fomentando o isolamento, o controle e a separação (CALDEIRA, 2010, p. 98). Há quem reforce que é preciso a presença da polícia nas ruas para inibir a ação de “criminosos” ou para intimidá-los, mas que os policiais sejam pessoas qualificadas. Outros sugerem a redução da maioridade penal para 16 anos; prisão perpétua; um código penal mais “efetivo” dentre outras “soluções”. Acontece que a luta pelo direito de uma cidade mais inclusiva a todos é colocada de lado, priorizando medidas “individualistas” de proteção que funcionam como uma fuga de problemas coletivos, contribuindo para uma cidade dividida, fragmentada, segregada, onde o medo e a insegurança são constantes.
Vivemos em uma sociedade individualizada, que “caracteriza-se pelo afrouxamento dos laços sociais, esse alicerce da ação solidária” (BAUMAN, 2008, p. 33). Por fim, enquanto não assumirmos que o problema é coletivo, continuaremos cercando nossas cidades e construindo nossos muros, com a falsa ilusão de que estaremos seguros, fingindo que estamos protegidos de um perigo que nós mesmos produzimos.

Gláucia Santos de Maria



[1] (DE MARIA, Gláucia Santos. Moradas de medo e esperança: Violência urbana, medo, mídia e estratégias de proteção dos moradores de condomínios em Campina Grande. Monografia em Ciências Sociais. UACS-UFCG, 2014).