Dizer que a mulher é mistério não é dizer que
ela se cala e sim que sua linguagem não é compreendida; ela está presente, mas
escondida sob véus; existe além dessas incertas aparições. (BEAUVOIR, Simone, 1970)
Ao longo da história das diversas sociedades,
as mulheres de diversas maneiras têm sido colocadas às margens da história, e
muitas delas, durante muito tempo foram silenciadas, mas pouco a pouco foi
mudando esse paradigma em busca de reconhecimento social dos seus direitos e de
igualdade de cidadania.
Uma questão que merece destaque é o
enfrentamento do processo de dominação masculina. Bourdieu (2010) já apontava
que tal processo é favorecido por instâncias que procuram através de seu poder
garantir tal dominação. Para este autor, instituições como a família, a escola,
a Igreja e o Estado são os principais influenciadores para tal dominação
preponderar, principalmente sobre as mulheres. Tais instâncias estabelecem
laços fortes, que são arraigados na história como meios de dominação. Nesse
sentido, as instâncias sociais perpetuaram durante muito tempo o modo pelo qual
os comportamentos, os papeis deveriam ser assumidos e, como forma de poder
possibilitou a diferenciação entre os sexos, etc.
Podemos acrescentar que ao longo do tempo
muitas mulheres foram se livrando, aos
poucos das amarras sociais, mesmo que isso fosse um desafio. Vejamos algumas questões. Se por um lado
havia um discurso de que a mulher devia ser mãe e procriadora, acontece que
isso nem sempre era o desejo dela. De acordo com Mary Del Priore (2011) na
década de 1940 o Código Penal Brasileiro definia que a mulher que abortasse
levaria de 1 a 3 anos de prisão. Havia exceções caso a mulher fosse vítima de
estupro, mas por outro lado, sofriam repressão por parte da polícia que invadia
suas casas, por parte da família e dos vizinhos que as difamavam e espalhavam
fofocas a seu respeito. E o que dizer desse assunto tão polêmico ainda nos dias
de hoje? Esse ainda é um tema muito contestado...
Outra questão que podemos destacar é que uma
conquista bastante importante foi o acesso à cidadania através do voto
feminino, conquistado aqui no Brasil em 1932 através de um Decreto-lei durante
o governo de Getúlio Vargas. Mas apenas algumas podiam votar, de modo que elas
puderam exercê-lo plenamente, apenas, em 1933. Depois da eleição de “1934, que teve a primeira escolha de uma
representante feminina, as emancipacionistas brasileiras passaram a lutar por
novos objetivos. Entre eles, destaca-se a aprovação do Estatuto da Mulher”. (GUERRA,
2009, p.4)
A historiadora Margareth Rago (apud Silva,
2011) aponta que aqui no Brasil a ruptura dos moldes da cultura sob a visão
masculina ocorreu principalmente em dois momentos. O primeiro momento foi
marcado pela luta de movimentos sociais na década de 60 em que estes
questionavam o regime militar, e, sobretudo as estruturas sob o viés masculino
que predominava ao longo da história da sociedade brasileira em que seu lugar
era a esfera privada, tendo acesso limitado à esfera pública. Os movimentos
feministas da década de 60 e 70 afirmavam que as mulheres poderiam sim, assumir
cargos públicos, ao mundo do trabalho, a vivenciar a política não só nos
bastidores, mas na esfera representativa (SILVA, 2011).
Estudos como O Segundo sexo da filósofa e
feminista Simone de Beauvoir, contribuiu para revisitar a história dessas
mulheres e apontar as mudanças sofridas por elas, na medida em que era preciso
repensar seus mais variados papéis: sociais, sexuais, de gênero, na busca de
desnaturalizá-los.
Sabemos que poderíamos colocar outras
questões acerca do enfrentamento das mulheres, sobretudo da mulher brasileira,
na busca de garantir seu reconhecimento de seus direitos humanos de igualdade e
exercerem sua cidadania. De todo modo, podemos afirmar que, a história das
mulheres sempre foi marcada por diversas lutas, uma delas é a construção de
romper com certos modelos, que antes as colocavam como meras sombras dos
homens, servindo apenas, como auxiliar, e não como protagonista da sua história,
de exercer a sua liberdade e viver em igualdade.
Poderíamos acrescentar que um dos desafios é
conseguir na prática que a equidade de direitos, de que todos os possam ser
respeitados segundo sua diversidade, na busca de justiça social, reconhecendo
as necessidades dos diferentes grupos, inclusive, dos diferentes grupos de
mulheres. O que nos incomoda ainda é saber que muitas de nós somos agredidas
física, psíquica, e verbalmente todos os dias. Quantas de nós ainda somos
julgadas por não seguirmos determinado padrão de beleza? Quantas de nós
sofremos piadinhas grotescas? Quantas de nós ainda vamos ser insultadas por
vestir determinadas roupas? Quantas de nós sairemos de vítimas à acusadas de
nosso próprio estupro? Quantas de nós sentiremos vergonha por sermos violadas
por nossos familiares? Quantas de nós seremos detentas em presídios e não
teremos o direito à dignidade, aos estudos, à visita intima? Quantas mães,
irmãs, amigas, namoradas terão como algoz o espelho e se abaixarão e levantarão
diante dele numa revista íntima no presídio? Quantas de nós, quantas de nós?
*
Já disse, dá licença!
Desculpa, não quero conselho!
E afasta um pouco do espelho!
É, mais uma vez retocarei meu batom vermelho.
Eu sei, não é ele que me faz bonita,
Pois sem a minha existência ele não teria
nenhum sentido.
Já disse, afasta um pouco!
Os traços escuros do meu rosto representam as
dores:
Sofridas por elas, sofridas por nós.
Dá licença, tenho pressa!
Estou pronta: olheiras de cansaço, pés no
chão, batom vermelho.
Pois todo dia sociedade:
É dia de luta,
De lutar contra sua opressão.
Então, dá licença!
Gláucia Santos de Maria
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