Desde o período escravocrata,
diversos grupos étnicos oriundos do continente africano desembarcaram em solo
brasileiro, trazendo com eles seus costumes, valores, etc. Sem dúvida, a
presença de diferentes grupos advindos de várias regiões africanas foi importante
para a formação cultural do povo brasileiro, exercendo forte influência em
diferentes aspectos, entre eles a questão da religiosidade. Segundo (SILVA,
2012) diversas foram as religiões que cruzaram o oceano, já que cada povo
possuía a sua. Algumas delas foram absorvendo outras crenças, ou ao contrário,
muitas foram por elas absorvidas, criando sistemas religiosos novos, como o foi
com a umbanda. Outras religiões não deixaram vestígios. Entretanto, a religião
dos orixás se converteu em grande quantidade, especialmente no Brasil e em
Cuba, e “o que era a religião
dos iorubás tornou-se uma religião” de
caráter universal (p.20).
Acontece que, mesmo
“libertos” do regime escravista (SKIDMORE, 1976) em fins do século XIX e início
do XX, diversos grupos étnicos escravizados que aportaram no território
brasileiro, ainda continuavam sofrendo restrições, perseguições e, eram muitas
vezes, impedidos de expressarem seus cultos religiosos e tradições de seus
lugares de origem. Sobre esses os cultos religiosos, o candomblé é um bom
exemplo disso.
De acordo com Márcia Sant’Anna
(2006) os terreiros de candomblé sofreram diversas perseguições e proibições
até meados da década de 1930. Ela acrescenta que eles eram alvo de repressões
constantes das forças policiais. Entretanto, esses conseguiram resistir às
pressões e sobreviver devido às diversas alianças que conseguiram estabelecer.
A autora coloca que uma das estratégias para a constituição e sobrevivência dos
candomblés se deu mediante a aliança com o catolicismo, pois isso servia como
um subterfúgio para escapar da repressão policial, já que o culto africano
ficou mais próximo do culto oficial, percebido por alguns como uma
possibilidade para a conversão dos seus praticantes à religião católica. Por
isso que encontramos “altares
católicos em todos os candomblés; todos os orixás têm correspondentes entre os
santos da Igreja” (CARNEIRO, 1954,
p.45). Sobre as medidas repressivas sofridas pelos praticantes dos cultos
gegê-nagô na Bahia Nina Rodrigues apontou:
No Brasil, na Bahia, são ao contrário consideradas práticas
de feitiçaria, sem proteção nas leis, condenadas pela religião dominante e pelo
desprezo, muitas vezes apenas aparente, é verdade, das classes influentes que,
apesar de tudo, as temem. Durante a escravidão, não há ainda vinte anos,
portanto, sofriam elas todas as violências por parte dos senhores de escravos,
de todo prepotentes, entregues os Negros, nas fazendas e plantações, à
jurisdição e ao arbítrio quase ilimitados de administradores, de feitores tão
brutais e cruéis quanto ignorantes. (p.264)
Mas apesar das repressões por parte
do poder estatal, o autor afirma que os cultos resistiram às pressões impostas
pelo catolicismo, às violências dos senhores de escravos, às propagandas
negativas da imprensa da época, à repressão policial.
Além disso, outro laço importante
nesse processo foi à aliança com indivíduos influentes que apoiavam,
participavam e protegiam os terreiros. Segundo Sant’Anna (2006) ogan era um tipo especial de sacerdote
do culto nagô, do sexo masculino, que não incorpora divindades, mas realiza
tarefas específicas como a música e os sacrifícios, além de outras,
administrativas e de representações. Assim,
a figura de ogan presente em diversos candomblés era reservada a homens, e tal
presença se estabeleceu em muitos casos através dos vínculos entre estudiosos
que pesquisavam em terreiros de candomblé, a exemplo de Nina Rodrigues, Edison
Carneiro, Arthur Ramos, Jorge Amado, Roger Bastide (SANT’ANNA, 2006; CAPONE,
2004.) que foram ou são ogans de alguns terreiros tradicionais da Bahia.
Outra questão que nos chama a atenção é no que diz respeito aos terreiros de
candomblé como patrimônio nacional. Segundo (SANT’ANNA, 2006) os terreiros de
candomblé são vistos como lugares de preservação de memória. Isso pode ser
observado no modo pelo qual se reverencia os ancestrais, bem como “na prática religiosa de marcar o lugar
‘habitado’ por uma divindade ou, ainda, na preservação dos rituais e da língua
de cada ‘nação’”. Além disso, essa relação estabelecida entre comunidade de
culto com o espaço do terreiro é perpassada pelo sagrado. O culto tem um lugar
específico para ocorrer ali, tendo em vista que no seu centro simbólico se
encontra enterrado o axé da casa, que move a conexão entre a força divina e dos
mortais. Por isso a fundamental importância de se preservar esse espaço sagrado
para a continuidade das expressões religiosas dos seus integrantes.
Dessa forma, os terreiros de
candomblés em termos de instituição no Brasil, foi uma forma estratégica de
sobrevivência cultural, de acordo com a autora, da busca da preservação de uma
memória coletiva. Ela aponta que os terreiros mais antigos de Salvador se
remetem à história da própria cidade. Alguns terreiros ditos tradicionais se
tornaram patrimônio cultural do Brasil. Assim, o Terreiro da Casa Branca do
Engenho Velho considerado como o mais antigo da cidade, e visto como a grande
matriz do culto de raízes africanas é um bom exemplo dessa busca de preservação
da história da presença africana no Brasil, bem como da preservação dos seus
cultos. Além disso, outros terreiros, a exemplo do Terreiro do Axé Opô Afonjá,
o Terreiro dos Gantois, o Terreiro do Bate Folha também foram designados como
patrimônio cultural do Brasil. E não podemos esquecer que em São Luís
(Maranhão) o Terreiro da Casa das Minas (jejê) também foi declarado patrimônio
nacional (SANT’ANNA, 2006, p.9-10).
Por fim, pudemos perceber que
várias foram as tentativas de se explorar esse universo conhecido pelo nome de
candomblé. Vimos que o esforço teórico de muitos estudiosos foi e é importante
para a compreensão desse universo tão vasto. Além disso, esses estudos nos
possibilitaram apreender que a presença de diferentes etnias de origem africana
exerceu forte influência na religiosidade da população brasileira. De acordo
com alguns estudos, a fundação do candomblé do Engenho Velho na Bahia marcou o
início de uma nova fase de culto no Brasil. Através de alguns autores pudemos
observar que os terreiros de candomblé e os seus participantes sofreram
diversas perseguições, principalmente as repressões policiais. Entretanto, para
resistir a essas pressões, seus atores utilizaram de estratégias para manter a
sobrevivência dos candomblés através de alianças. Uma delas foi com o
catolicismo, e a outra foram os vínculos que firmaram com aqueles que protegiam
os cultos (ogans). Por último, analisamos a institucionalização de alguns
terreiros de candomblé que se transformaram em patrimônio cultural do Brasil,
objetivando preservar a memória coletiva para dar continuidade às manifestações
religiosas dos seus descendentes.
Gláucia Santos de Maria
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