sexta-feira, 22 de julho de 2011

A santa e a outra

Refletia sobre esse seguinte trecho da música “Ponto de interrogação” de Gonzaguinha:
“Quem te diz que não é só vício
Da obrigação
Pois com a outra você faz de tudo
Lembrando daquela santa
“Que é dona do teu coração”.
É interessante como são formadas as imagens sociais dos indivíduos, e cá para nós mulheres, quantos estigmas nos colocam... Observemos, pois, somente dois, para que não nos alonguemos tanto: a outra e a santa.
Com a outra, o homem “faz o que quer”, mas sem generalizar, pois cada caso é um caso; ela é aquela mulher perigosa, que está disposta a levar qualquer homem aos ares. Em contraposição, existe aquela, dona do coração do homem (ou não), a fiel, a santa. Muitas vezes fora vista como mera procriadora.
Essa distinção está relacionada com a velha dualidade que cerca o mundo, como a que Leach coloca quando trata do mito: masculino/feminino, bem/mal etc. Do mesmo modo percebemos essa distinção entre o sexo para o prazer e para tão somente procriar, perpetuar a espécie.
A outra é aquele tipo de mulher que encontramos na Bíblia, que leva o homem ao pecado original: é Eva, tentadora como a serpente. A santa é vista como aquele tipo de mulher bondosa, fiel, a virgem, a Maria da escritura sagrada. A outra abre a porta do inferno, a santa a dos céus.
Se retomarmos a história do Brasil - colônia podemos verificar que a Igreja Católica combatia o concubinato, defendendo um modelo de família patriarcal. O homem, branco, tinha poderes supremos sobre os membros da família e principalmente de sua esposa. Era consentido que o desejo se destinasse apenas para a prostituta e as de classes pobres como brancas, negras, mestiças e índias. E, diga-se de passagem, eram as preferidas dos portugueses e espanhóis. A mulher, esposa branca, mesmo pertencendo a uma classe superior, ocupava um lugar na sociedade como um ser anti-sexual, papel que lhe cabia somente de procriar, cuidar dos filhos e dos empregados.
Eis um ditado muito citado na época, e que encontramos em “Casa Grande & Senzala” de Gilberto Freyre que resume a situação das mulheres no Império: “Branca para casar, mulata para foder e negra para trabalhar”. E nos dias de hoje, como isso ocorre? Do mesmo jeito? São de fato, contextos diferentes, mas que levam a reflexão sobre esse aspecto: talvez, não é certo, mas às vezes só muda a nomenclatura.
Marilena Chauí fala sobre o moralismo de resistência, que defende o tradicionalismo quando a questão se trata da virgindade, associada à reprodução, pelo papel da santa. Os membros familiares falam sobre a vigilância que se deve ter da moça de boa família, casta e dentro dos bons costumes. Ela deve se preservar até o dia do casamento. As que não primam por essa “ideologia dos bons costumes”, por vezes são taxadas de “galinha”, “vaca”, “piranha”, dentre outros insultos que talvez não sejam necessários.
As opiniões se divergem quanto ao que permeia nas mentes de homens e mulheres. De acordo com alguns entrevistados por Maria Amélia A. Goldberg, em seu livro “Educação Sexual: uma proposta, um desafio (1988)”, muitos não viam tanta importância quanto à virgindade, tanto homens quanto mulheres, mas outros um pouco mais conservadores eram seguidores da moda à antiga.
Vemos que do lado masculino, em nossa sociedade, esses estigmas não são colocados, ninguém chama um homem de “santo” ou “outro”.  Por que será então hein? Deixo essa pergunta por enquanto sem resposta, tendo em vista que são inúmeras, mas que podem ser respondidas, ou não. Mas o que você acha de dividir o universo feminino em dois grupos: as santas para o compromisso, e as outras para o passatempo? Qual a sua opinião acerca disso? Qual o seu posicionamento?

Gláucia Santos de Maria

2 comentários:

  1. É algo que vem de antes mesmo né? Do mundo machista! Você sintetizou bem coisas que aconteciam no Brasil colônia, e que de certa forma ainda perduram nos dias de hoje, é incrível. Isso ainda acontecem também em outras problemáticas atuais do Brasil.
    Eu mesmo não nego que por vezes já enxerguei estes dois tipos de mulheres, mas a que mais enxergo é a "outra", mais fácil de ser detectada. Já a "santa", eu não faço uma vista separada dela, não fica no mesmo nível de distinção da outra. Eu vejo mais ou menos assim: as outras, e as que não agem como outras.

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  2. Bem provocante.a "outra" e a "santa". Mas como as pessoas podem definir quem realmente é a outra ou a santa.desde os tempos colonial que a mulher tinha sua serventia para o Homem,cada tipo com sua serventia e até hoje as pessoas parecem não evoluir como deveria.é realmente um tema bem complicado de explicar e fácil de se entender..........

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