sábado, 7 de julho de 2012

Personificação das roupas: memórias e dor*


            
         As roupas podem ser vistas como uma representação do materialismo, ou um utensílio comum que acaba se tornando um símbolo do consumismo desenfreado. No entanto, a roupa é algo mais do que um simples fetiche humano, ela possui em sua essência algo que mistifica o seu uso. A nossa sociedade por questões históricas, necessita andar vestida, e por isso o apego por esse material de tecido, que incorpora em nossos corpos e se molda a partir deste,  passa a se tornar parte da existência da pessoa que  a veste. A roupa está na memória de quem a vestiu ou usou uma vez, mas para quem vê o outro vestido, a lembrança ainda é mais forte. O fato de lembrarmos uma pessoa querida que já se fora, e ter uma lembrança dessa, nos trás à tona todo tipo de sentimento causado simplesmente pela personificação da roupa com o nosso ser. E nesse caso a dor se apresenta a nós em função do que vestimos.
            Diante dessa temática nada melhor do que trabalhar a obra do autor norte-americano Peter Stallybrass, “O casaco de Marx, roupa, memória e dor”, segundo a qual, no primeiro capítulo o autor irá descrever seus sentimentos diante da dor propriamente sentida por ele, em virtude da morte de seu grande amigo e companheiro de profissão. Primeiramente há um vazio indescritível que o cerca, em razão do autor não conseguir expressar seus sentimentos referentes àquela perda. As roupas e utensílios eram apenas o que restavam de seu amigo. Porém, fora o que incentivara a escrever sobre o assunto, em contato com as sensibilidades e vestido com a jaqueta preferida de seu companheiro. Stallybrass se viu aflorando os seus sentimentos diante da perda de seu colega, as lágrimas que antes teimavam em não brotar em seus olhos, surgiram. E o choro no qual o autor descreve, abriu uma porta para este encontrar o que procurava, e se viu escrevendo sobre as roupas. A jaqueta a qual estava vestido representava muita coisa, sentia o seu amigo novamente ao seu lado, mais do que isso, o autor se sentia vestido pelo amigo que tanto gostava.
Então percebemos que a roupa é mais que uma vestimenta, ela adquiri vida em contato com o corpo humano. E a partir do momento em que esta, que tanto impregnou a matéria, deixou de ser usada, permanece com cheiros e representa ainda o dono. No cabide ainda pode se ver, a face de quem usou. Stallybrass conseguiu ver de uma forma clara, o momento em que se sentiu vestido pelo seu amigo, pela jaqueta que tanto desejava e gostava de ver o vestido.
            Peter Stallybrass deixa claro que a memória e a dor andam juntas, lado a lado. A roupa só ajuda aflorar essas duas características. Pois, ela é algo visível, e está sempre em nosso corpo para onde nós vamos.
 Desde pequenos nos afeiçoamos a algo. Em primeiro plano uma chupeta, depois uma bicicleta e em outro momento uma calça jeans, objetos e utensílios que tornam parte de nossa vida. O cuidado com que tomamos com essas coisas, até parecem que são vivos para nós. E será que não são mesmo? O afeto existe, e o amor também, é difícil desvincular algo que nós gostamos, até mesmo quando as roupas ou objetos estão gastos. O zelo que conservamos naquilo que gostamos e usamos permanece. No final paramos para pensar o quanto somos hipócritas, ao dizer que o materialismo é algo esdrúxulo, e só as pessoas com poder aquisitivo possuem. É histórico na sociedade se passar de geração a geração pequenas relíquias. Em qualquer classe social no século XV era comum receber algo que representasse a memória do seu antepassado, mesmo que fosse uma roupa já usada, em formato de um trapo. O armário e as roupas então podem representar a ausência do ser que outrora vestia aquelas roupas e se locomovia de um lado para o outro. Stallybrass faz referência a um poema de Nina Payne, no qual os filhos brigam para vestir as roupas do seu pai falecido. Será que igual ao autor, estes também se sentiam vestidos pelo pai? É algo a se pensar.
*Alusão ao texto de Stallybrass

Ronyone de Araújo Jeronimo

2 comentários:

  1. Gostei muito! Lendo esse texto lembrei de um xale que ganhei da minha bisavó alguns meses antes dela falecer. Com 94 anos ela confeccionou a peça e me deu de presente, eu tinha 5 anos e foi uma das últimas vezes que a vi. Hoje guardo esse xale como se fosse um diamante, é uma lembrança viva dela. :)

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  2. Também tenho uma visão que dá personalidade de gente viva às roupas. Particularmente, procuro evitar vestimentas que estampem imagens, textos, ou ícones que não tem nada a ver comigo. Repúdio totalmente aquelas camisetas com textos em ingles do tipo: "warrior straight force".

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