As roupas podem ser vistas como uma
representação do materialismo, ou um utensílio comum que acaba se tornando um
símbolo do consumismo desenfreado. No entanto, a roupa é algo mais do que um
simples fetiche humano, ela possui em sua essência algo que mistifica o seu
uso. A nossa sociedade por questões históricas, necessita andar vestida, e por
isso o apego por esse material de tecido, que incorpora em nossos corpos e se
molda a partir deste, passa a se tornar parte da existência da pessoa
que a veste. A roupa está na memória de
quem a vestiu ou usou uma vez, mas para quem vê o outro vestido, a lembrança
ainda é mais forte. O fato de lembrarmos uma pessoa querida que já se fora, e
ter uma lembrança dessa, nos trás à tona todo tipo de sentimento causado
simplesmente pela personificação da roupa com o nosso ser. E nesse caso a dor
se apresenta a nós em função do que vestimos.
Diante
dessa temática nada melhor do que trabalhar a obra do autor norte-americano
Peter Stallybrass, “O casaco de Marx, roupa, memória e dor”, segundo a qual, no
primeiro capítulo o autor irá descrever seus sentimentos diante da dor
propriamente sentida por ele, em virtude da morte de seu grande amigo e
companheiro de profissão. Primeiramente há um vazio indescritível que o cerca,
em razão do autor não conseguir expressar seus sentimentos referentes àquela
perda. As roupas e utensílios eram apenas o que restavam de seu amigo. Porém,
fora o que incentivara a escrever sobre o assunto, em contato com as
sensibilidades e vestido com a jaqueta preferida de seu companheiro.
Stallybrass se viu aflorando os seus sentimentos diante da perda de seu colega,
as lágrimas que antes teimavam em não brotar em seus olhos, surgiram. E o choro
no qual o autor descreve, abriu uma porta para este encontrar o que procurava, e
se viu escrevendo sobre as roupas. A jaqueta a qual estava vestido representava
muita coisa, sentia o seu amigo novamente ao seu lado, mais do que isso, o
autor se sentia vestido pelo amigo que tanto gostava.
Então percebemos que a roupa é mais que uma vestimenta,
ela adquiri vida em contato com o corpo humano. E a partir do momento em que
esta, que tanto impregnou a matéria, deixou de ser usada, permanece com cheiros
e representa ainda o dono. No cabide ainda pode se ver, a face de quem usou.
Stallybrass conseguiu ver de uma forma clara, o momento em que se sentiu
vestido pelo seu amigo, pela jaqueta que tanto desejava e gostava de ver o
vestido.
Peter
Stallybrass deixa claro que a memória e a dor andam juntas, lado a lado. A
roupa só ajuda aflorar essas duas características. Pois, ela é algo visível, e
está sempre em nosso corpo para onde nós vamos.
Desde
pequenos nos afeiçoamos a algo. Em primeiro plano uma chupeta, depois uma
bicicleta e em outro momento uma calça jeans, objetos e utensílios que tornam
parte de nossa vida. O cuidado com que tomamos com essas coisas, até parecem
que são vivos para nós. E será que não são mesmo? O afeto existe, e o amor
também, é difícil desvincular algo que nós gostamos, até mesmo quando as roupas
ou objetos estão gastos. O zelo que conservamos naquilo que gostamos e usamos
permanece. No final paramos para pensar o quanto somos hipócritas, ao dizer que
o materialismo é algo esdrúxulo, e só as pessoas com poder aquisitivo possuem.
É histórico na sociedade se passar de geração a geração pequenas relíquias. Em
qualquer classe social no século XV era comum receber algo que representasse a
memória do seu antepassado, mesmo que fosse uma roupa já usada, em formato de
um trapo. O armário e as roupas então podem representar a ausência do ser que
outrora vestia aquelas roupas e se locomovia de um lado para o outro.
Stallybrass faz referência a um poema de Nina Payne, no qual os filhos brigam
para vestir as roupas do seu pai falecido. Será que igual ao autor, estes
também se sentiam vestidos pelo pai? É algo a se pensar.
*Alusão ao texto de Stallybrass
Ronyone de Araújo Jeronimo
Gostei muito! Lendo esse texto lembrei de um xale que ganhei da minha bisavó alguns meses antes dela falecer. Com 94 anos ela confeccionou a peça e me deu de presente, eu tinha 5 anos e foi uma das últimas vezes que a vi. Hoje guardo esse xale como se fosse um diamante, é uma lembrança viva dela. :)
ResponderExcluirTambém tenho uma visão que dá personalidade de gente viva às roupas. Particularmente, procuro evitar vestimentas que estampem imagens, textos, ou ícones que não tem nada a ver comigo. Repúdio totalmente aquelas camisetas com textos em ingles do tipo: "warrior straight force".
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