É quase um lugar comum afirmar que a
televisão tem sido, desde o século passado, um importante instrumento de
formação e renovação de práticas sociais e de comportamentos individuais e
coletivos. Pensar esse veículo de comunicação como um mediador entre discursos
e práticas consiste num modo relevante de demonstrar a importância e o caráter,
até certo ponto normativo, que os conteúdos transmitidos pela televisão têm.
Os
conteúdos televisivos criam representações para os diversos grupos e segmentos
sociais, bem como para atitudes individuais na vida cotidiana. Neste sentido,
um modo bastante utilizado no processo de criação destas imagens é a teledramaturgia,
através das conhecidas (inclusive, internacionalmente) telenovelas brasileiras.
Na tentativa de historicizar a trajetória dos folhetins é relevante enfatizar
que “a primeira
telenovela diária foi ao ar em 1963: 2-5499 Ocupado, uma produção da TV
Excelsior, lançada como uma opção despretenciosa. Na época não se podia
imaginar que também estava sendo lançada a maior produção de arte popular da
nossa televisão, além de grande fenômeno de massa, depois do carnaval e do
futebol”. A partir de
então a produção foi aumentando e o gênero foi sendo aperfeiçoado com base nos
recursos tecnológicos disponíveis.
Todavia,
aliada a um conjunto de aparelhos tecnológicos usados para deixar as novelas
cada vez mais interessantes, estimulantes e atrativas para o grande público
alguns autores optaram por retratar em suas tramas a vida cotidiana, tendo como
elementos do enredo as relações familiares, as atitudes e as práticas diante de
situações banais do dia-a-dia, entre outros aspectos. Um dos autores que se
destacou e se afirmou nesse gênero de escrita para a telenovela foi Manoel
Carlos, que estreou
(...) na Rede Globo em 1972, como
diretor-geral do Fantástico. Trabalhou no programa por três anos, ao
lado de Maurício Sherman, Augusto César Vannucci, Paulo Gil Soares e Luiz Lobo.
Em 1978, com a experiência de mais de 150 adaptações para a TV, transformou em novela o romance Maria Dusá, de Lindolfo Rocha, sob o título de Maria, Maria. A primeira telenovela de Manoel Carlos na TV Globo teve direção de Herval Rossano, com Nívea Maria no papel principal, e foi ao ar no horário das 18h.
Em 1978, com a experiência de mais de 150 adaptações para a TV, transformou em novela o romance Maria Dusá, de Lindolfo Rocha, sob o título de Maria, Maria. A primeira telenovela de Manoel Carlos na TV Globo teve direção de Herval Rossano, com Nívea Maria no papel principal, e foi ao ar no horário das 18h.
Mas
o que lhe marcou realmente na televisão foram as conhecidas “Helenas”, criadas
por ele. Este nome foi escolhido para ser dado às protagonistas de suas novelas
a partir do ano de 1981 na novela “Baila Comigo”, na qual a atriz Lilian
Lemmertz viveu a primeira Helena do autor. Desde então, “Maneco”, como é
chamado pelos colegas de trabalho, passou a marcar as suas tramas com a
presença constante de uma protagonista cujo modelo pode ser analisado em termos
de uma representação forjada pelo autor na construção de uma identidade
feminina.
É
possível dizer que há alguns elementos centrais usados por Manoel Carlos na
elaboração de suas “Helenas”. Em todas as novelas suas protagonistas, que por
motivos que mais adiante serão expostos nem poderiam ser chamadas de mocinhas
ou heroínas, são envolvidas e perseguidas por temas e problemas como a
maternidade, família, traição, ética, ascensão social e redenção moral, entre
outros.
A
Helena vivida por Regina Duarte em “Por Amor” (1997) é lembrada como sendo uma
das mais polêmicas protagonistas criada pelo autor. Na trama, Helena é mãe de
Eduarda (Gabriela Duarte), com quem tem uma relação de amizade e cumplicidade
invejáveis. Contudo, ambas conhecem, numa viagem a Veneza, Atílio (Antônio
Fagundes), que, dentro de alguns capítulos, se tornaria namorado de Helena. “Lá pelas tantas”, eis que mãe e filha
engravidam simultaneamente, uma vez que Eduarda era casada com Marcelo (Fábio Assunção).
Todavia, a felicidade delas duraria apenas até o momento do parto. Quando
Helena soube que seu filho havia nascido saudável e de Eduarda havia nascido
morto ela não pensou duas vezes e obrigou o médico a fazer a troca dos bebês. O
motivo para isso também estava no fato de que num primeiro momento Eduarda já
havia tido um aborto espontâneo e, perdendo este segundo filho, poderia não ter
a possibilidade de engravidar de novo.
Por
motivos de síntese e fidelidade aos objetivos deste texto não serão descritas
as sinopses ou circunstâncias principais vividas pelas Helenas, mas cabe
ressaltar que o autor cria para quase todas elas dois elementos constitutivos
de angústia e aflição: se por um lado, elas são bem sucedidas em suas
carreiras, como é o caso das Helenas de Vera Fischer (Laços de Família, 2000),
Christiane Torloni (Mulheres Apaixonadas, 2003) e Taís Araújo (Viver a Vida,
2009), elas precisam lidar com uma vida afetiva, familiar e amorosa conturbada e
cheia de desafios. Outra atriz que também viveu uma Helena foi Maitê Proença,
em 1991, na novela Felicidade.
É
possível apontar que o autor tenta, em suas Helenas, demonstrar a dificuldade
vivenciada pela mulher moderna que assume múltiplas tarefas e compromissos,
tendo a responsabilidade maior, sob certo aspecto, de dar o melhor de si para
ser reconhecida e respeitada profissionalmente. É isso o que ocorre com a
Helena de “Viver a Vida”, que passa por muitas dificuldades até se tornar uma
modelo internacionalmente reconhecida.
Contudo,
o autor cria e fortalece também a dicotomia entre vida pública e privada,
demonstrando claramente que a mulher tem mais dificuldades em se emancipar e
ser autônoma, tendo em vista elementos de ordem afetiva como a família e as
relações amorosas. Sob este aspecto, o autor demonstra como não é fácil
administrar a traição do marido, as dificuldades de inserção da filha (adotiva)
portadora da síndrome de Down no ambiente escolar e a carreira de obstetra bem
sucedida, como está escrito e vivido por Regina Duarte em “Páginas da Vida”
(2006).
Além
desses aspectos, Manoel Carlos tipifica em suas Helenas o retrato de mulheres
que não tendem a seguir um modelo romântico que fortalecia a imagem de mocinhas
e vilãos. Nas suas tramas, as protagonistas são mulheres que amam, que odeiam,
que são generosas, mas também, sob
muitos aspectos, portadoras de doses generosas de egoísmo. São contraditórias e dizem agir em
nome do amor que sentem, quando através de atitudes pouco planejadas deixam-se
levar pelas emoções e pelas angústias que vivem.
A
partir destas reflexões podemos perceber como Manoel Carlos, através de suas
novelas e de suas Helenas, cria uma imagem para representar um conjunto maior
de mulheres que, não necessariamente, se sentem incluídas ou assemelhadas ao
modelo de feminilidade forjado por ele. Se as suas protagonistas marcam um
diferencial na abordagem da mulher, mostrando-as como independentes, autônomas,
competentes e tão iguais quanto os homens para ocupar lugares na sociedade,
mostram, contudo, a emoção e as sensibilidades vividas por elas como sendo
aspectos que as desestabilizam e as retiram do foco da razão frente aos
desafios com os quais precisam lidar cotidianamente.
Em
2013, o autor irá escrever a sua última novela e, consequentemente, a última
Helena. A atriz convidada por ele para interpretar este papel foi Julia
Lemmertz, filha de Lilian Lemmertz, que viveu a primeira Helena do autor.
Segundo ele, esta decisão foi tomada com o objetivo de que com uma filha
fechando o ciclo das Helenas, ele possa realmente ter marcado o fim de um
processo. Cabe, contudo, acompanhar, se emocionar e avaliar de que modo esta
nova Helena se mostrará realmente “nova” e quais as polêmicas, temas e questões
sociais que o autor buscará, através dela, enfatizar em sua última trama.
José dos Santos Costa
Júnior
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