sábado, 29 de setembro de 2012

Poderosas e fracassadas:uma representação feminina nas “Helenas” de Manoel Carlos


        É quase um lugar comum afirmar que a televisão tem sido, desde o século passado, um importante instrumento de formação e renovação de práticas sociais e de comportamentos individuais e coletivos. Pensar esse veículo de comunicação como um mediador entre discursos e práticas consiste num modo relevante de demonstrar a importância e o caráter, até certo ponto normativo, que os conteúdos transmitidos pela televisão têm.
            Os conteúdos televisivos criam representações para os diversos grupos e segmentos sociais, bem como para atitudes individuais na vida cotidiana. Neste sentido, um modo bastante utilizado no processo de criação destas imagens é a teledramaturgia, através das conhecidas (inclusive, internacionalmente) telenovelas brasileiras. Na tentativa de historicizar a trajetória dos folhetins é relevante enfatizar que “a primeira telenovela diária foi ao ar em 1963: 2-5499 Ocupado, uma produção da TV Excelsior, lançada como uma opção despretenciosa. Na época não se podia imaginar que também estava sendo lançada a maior produção de arte popular da nossa televisão, além de grande fenômeno de massa, depois do carnaval e do futebol”.  A partir de então a produção foi aumentando e o gênero foi sendo aperfeiçoado com base nos recursos tecnológicos disponíveis.
            Todavia, aliada a um conjunto de aparelhos tecnológicos usados para deixar as novelas cada vez mais interessantes, estimulantes e atrativas para o grande público alguns autores optaram por retratar em suas tramas a vida cotidiana, tendo como elementos do enredo as relações familiares, as atitudes e as práticas diante de situações banais do dia-a-dia, entre outros aspectos. Um dos autores que se destacou e se afirmou nesse gênero de escrita para a telenovela foi Manoel Carlos, que estreou

(...) na Rede Globo em 1972, como diretor-geral do Fantástico. Trabalhou no programa por três anos, ao lado de Maurício Sherman, Augusto César Vannucci, Paulo Gil Soares e Luiz Lobo.
Em 1978, com a experiência de mais de 150 adaptações para a TV, transformou em novela o romance Maria Dusá, de Lindolfo Rocha, sob o título de Maria, Maria. A primeira telenovela de Manoel Carlos na TV Globo teve direção de Herval Rossano, com Nívea Maria no papel principal, e foi ao ar no horário das 18h.
 
            Mas o que lhe marcou realmente na televisão foram as conhecidas “Helenas”, criadas por ele. Este nome foi escolhido para ser dado às protagonistas de suas novelas a partir do ano de 1981 na novela “Baila Comigo”, na qual a atriz Lilian Lemmertz viveu a primeira Helena do autor. Desde então, “Maneco”, como é chamado pelos colegas de trabalho, passou a marcar as suas tramas com a presença constante de uma protagonista cujo modelo pode ser analisado em termos de uma representação forjada pelo autor na construção de uma identidade feminina.
            É possível dizer que há alguns elementos centrais usados por Manoel Carlos na elaboração de suas “Helenas”. Em todas as novelas suas protagonistas, que por motivos que mais adiante serão expostos nem poderiam ser chamadas de mocinhas ou heroínas, são envolvidas e perseguidas por temas e problemas como a maternidade, família, traição, ética, ascensão social e redenção moral, entre outros.
            A Helena vivida por Regina Duarte em “Por Amor” (1997) é lembrada como sendo uma das mais polêmicas protagonistas criada pelo autor. Na trama, Helena é mãe de Eduarda (Gabriela Duarte), com quem tem uma relação de amizade e cumplicidade invejáveis. Contudo, ambas conhecem, numa viagem a Veneza, Atílio (Antônio Fagundes), que, dentro de alguns capítulos, se tornaria namorado de Helena.  “Lá pelas tantas”, eis que mãe e filha engravidam simultaneamente, uma vez que Eduarda era casada com Marcelo (Fábio Assunção). Todavia, a felicidade delas duraria apenas até o momento do parto. Quando Helena soube que seu filho havia nascido saudável e de Eduarda havia nascido morto ela não pensou duas vezes e obrigou o médico a fazer a troca dos bebês. O motivo para isso também estava no fato de que num primeiro momento Eduarda já havia tido um aborto espontâneo e, perdendo este segundo filho, poderia não ter a possibilidade de engravidar de novo.
            Por motivos de síntese e fidelidade aos objetivos deste texto não serão descritas as sinopses ou circunstâncias principais vividas pelas Helenas, mas cabe ressaltar que o autor cria para quase todas elas dois elementos constitutivos de angústia e aflição: se por um lado, elas são bem sucedidas em suas carreiras, como é o caso das Helenas de Vera Fischer (Laços de Família, 2000), Christiane Torloni (Mulheres Apaixonadas, 2003) e Taís Araújo (Viver a Vida, 2009), elas precisam lidar com uma vida afetiva, familiar e amorosa conturbada e cheia de desafios. Outra atriz que também viveu uma Helena foi Maitê Proença, em 1991, na novela Felicidade.
            É possível apontar que o autor tenta, em suas Helenas, demonstrar a dificuldade vivenciada pela mulher moderna que assume múltiplas tarefas e compromissos, tendo a responsabilidade maior, sob certo aspecto, de dar o melhor de si para ser reconhecida e respeitada profissionalmente. É isso o que ocorre com a Helena de “Viver a Vida”, que passa por muitas dificuldades até se tornar uma modelo internacionalmente reconhecida.
            Contudo, o autor cria e fortalece também a dicotomia entre vida pública e privada, demonstrando claramente que a mulher tem mais dificuldades em se emancipar e ser autônoma, tendo em vista elementos de ordem afetiva como a família e as relações amorosas. Sob este aspecto, o autor demonstra como não é fácil administrar a traição do marido, as dificuldades de inserção da filha (adotiva) portadora da síndrome de Down no ambiente escolar e a carreira de obstetra bem sucedida, como está escrito e vivido por Regina Duarte em “Páginas da Vida” (2006).
            Além desses aspectos, Manoel Carlos tipifica em suas Helenas o retrato de mulheres que não tendem a seguir um modelo romântico que fortalecia a imagem de mocinhas e vilãos. Nas suas tramas, as protagonistas são mulheres que amam, que odeiam, que são generosas, mas também,  sob muitos aspectos, portadoras de doses generosas de  egoísmo. São contraditórias e dizem agir em nome do amor que sentem, quando através de atitudes pouco planejadas deixam-se levar pelas emoções e pelas angústias que vivem.
            A partir destas reflexões podemos perceber como Manoel Carlos, através de suas novelas e de suas Helenas, cria uma imagem para representar um conjunto maior de mulheres que, não necessariamente, se sentem incluídas ou assemelhadas ao modelo de feminilidade forjado por ele. Se as suas protagonistas marcam um diferencial na abordagem da mulher, mostrando-as como independentes, autônomas, competentes e tão iguais quanto os homens para ocupar lugares na sociedade, mostram, contudo, a emoção e as sensibilidades vividas por elas como sendo aspectos que as desestabilizam e as retiram do foco da razão frente aos desafios com os quais precisam lidar cotidianamente.
            Em 2013, o autor irá escrever a sua última novela e, consequentemente, a última Helena. A atriz convidada por ele para interpretar este papel foi Julia Lemmertz, filha de Lilian Lemmertz, que viveu a primeira Helena do autor. Segundo ele, esta decisão foi tomada com o objetivo de que com uma filha fechando o ciclo das Helenas, ele possa realmente ter marcado o fim de um processo. Cabe, contudo, acompanhar, se emocionar e avaliar de que modo esta nova Helena se mostrará realmente “nova” e quais as polêmicas, temas e questões sociais que o autor buscará, através dela, enfatizar em sua última trama. 

José dos Santos Costa Júnior

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